Lá vem Tânia rebolando sem parar, para na frente da farmácia do Seu Alfredo, ele lhe oferece ajuda com as sacolas do mercadinho do Seu Júlio, e ela somente sorri agradecendo a gentileza, mas dispensa, pois não quer problemas com a Dona Marineuza, quando de repente, um gato sai correndo de dentro da farmácia e passa entre as pernas do Seu Alfredo, que se desequilibra e cai sentado em um vaso de plantas. Tânia solta uma gargalhada, e as sacolas quase caem de suas mãos.
- Seu Alfredo, o senhor tá bem? - ela pergunta, tentando conter o riso.
- Só minha dignidade que ficou um pouco amassada - responde ele, tentando se levantar, mas derrubando mais dois vasos no processo.
Nesse momento, Dona Marineuza aparece na esquina, e Tânia imediatamente se endireita. Ela tenta disfarçar a risada, mas é tarde demais. Dona Marineuza, com sua famosa cara de poucos amigos, se aproxima.
- Que bagunça é essa aqui? - pergunta Dona Marineuza, com as mãos na cintura.
Tânia rapidamente explica o incidente com o gato, mas Dona Marineuza foca sua atenção em Alfredo, que ainda está lutando para se levantar.
- Alfredo, você está fazendo malabarismo com os vasos agora? - ironiza Dona Marineuza.
- Não foi minha culpa, foi o gato! - defende-se ele, apontando para o felino, que agora está sentado calmamente lambendo uma pata.
Tânia, ainda tentando manter a compostura, resolve mudar de assunto:
- Dona Marineuza, a senhora ainda faz aquele bolo de fubá? Estou com uma vontade danada de comer um pedaço!
Dona Marineuza, que nunca resiste a falar de suas habilidades culinárias, começa a contar a receita do bolo, esquecendo momentaneamente a confusão.
Enquanto isso, Seu Alfredo finalmente consegue se levantar, mas com uma calça toda suja de terra. Ele dá uma piscadela para Tânia, que segura o riso mais uma vez.
Tânia agradece pela receita e segue seu caminho até cruzar com uma casa cheia de pichações e entre elas tem uma enorme placa escrita à mão "CUIDADO COM O CACHORRO" ao lado de um desenho de um gato arrepiado.
Ao se aproximar da sua casa, ela ouve um choro vindo da casa do vizinho, a curiosidade a faz parar. O som vem de uma janela aberta, onde uma jovem, sentada no chão, segura uma foto antiga e chora desconsoladamente.
- Oi, você está bem? - pergunta Tânia, com a voz suave.
A jovem levanta os olhos marejados e balança a cabeça negativamente.
- Eu... eu sinto tanta falta dele — ela diz, segurando a foto com mais força.
- Quem é ele? — Tânia pergunta, se aproximando cuidadosamente.
- Meu irmão. Ele... ele faleceu no mês passado. E hoje seria seu aniversário - a jovem explica, a voz quebrada pela dor.
Tânia sente um aperto no coração e se agacha ao lado da jovem, segurando sua mão.
- Sinto muito pela sua perda. Sei que nada que eu diga pode aliviar sua dor, mas se precisar de alguém para conversar, estou aqui.
A jovem olha para Tânia com gratidão nos olhos.
- Obrigada. Às vezes, só precisamos de alguém que escute.
As duas ficam em silêncio por alguns momentos, compartilhando a dor e a compaixão em um momento inesperado de solidariedade. Tânia sente que, de alguma forma, estava destinada a passar por ali naquele momento. Ela sabia que, mesmo com suas sacolas e rebolados, podia fazer a diferença na vida de alguém, mesmo que só um pouco.
